- 17/02/2025
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Crédito Consignado Privado: Alternativa para Baratear Juros ou Armadilha Financeira?
O governo federal anunciou que pretende lançar uma linha de crédito consignado voltada para trabalhadores do setor privado, mesmo para aqueles cujas empresas não tenham convênio com bancos. Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o projeto já está avançado e pode ser enviado ao Congresso antes do Carnaval. A expectativa do governo é de que essa iniciativa reduza os juros do crédito, uma vez que, com o desconto direto em folha, o risco de inadimplência para os bancos diminui.
No entanto, a proposta levanta preocupações. Especialistas alertam para o risco de aumento do endividamento dos trabalhadores, além da possível utilização do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como garantia para os empréstimos. Também há críticas sobre um suposto favorecimento aos grandes bancos tradicionais, em detrimento das fintechs, que podem ficar de fora do programa.
Endividamento e impactos na habitação
O economista Izak Carlos da Silva, do BDMG e do Instituto Millenium, ressalta que, diante do alto nível de endividamento da população, um novo crédito consignado pode agravar a situação financeira dos trabalhadores.
Outro setor que observa a medida com cautela é a construção civil. O presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Renato Correia, defende o consignado para trabalhadores do setor privado, mas sugere que, para isso, o saque-aniversário do FGTS seja extinto. Segundo ele, a coexistência dos dois mecanismos prejudicaria a habitação popular, pois reduziria os recursos disponíveis para financiamento imobiliário.
“Se os bancos tiverem prioridade sobre o FGTS do trabalhador, os saques emergenciais aumentarão e comprometerão ainda mais a produção de moradias de interesse social”, alerta Correia.
Expansão do crédito pode pressionar inflação e juros
Além do novo modelo de crédito, o governo também propôs a ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda para rendimentos de até R$ 5 mil. Ambas as medidas fazem parte do pacote econômico de 25 prioridades apresentado por Haddad ao novo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
Apesar de impulsionar o consumo e ampliar o poder de compra, especialistas alertam que essas medidas podem pressionar a inflação e manter os juros elevados. Se houver um aumento expressivo na demanda por bens e serviços, os preços podem subir, forçando o Banco Central a endurecer a política monetária.
“O problema é que muitas famílias já estão endividadas. Elas podem não ter consciência do impacto de assumir novos compromissos financeiros em um cenário ainda incerto”, pondera Izak Silva.
Em dezembro de 2024, o mapa do endividamento do Serasa Experian apontava que 73,5 milhões de brasileiros estavam inadimplentes – um aumento de quase 10 milhões de pessoas desde 2021.
Crédito como estratégia eleitoral
A proposta foi discutida em 29 de janeiro, em uma reunião entre Haddad, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e representantes de grandes bancos. A intenção do governo é encaminhar o projeto ao Congresso por meio de uma medida provisória.
A busca por ampliar o crédito não é apenas uma questão econômica, mas também política. Lula vê a facilitação de empréstimos como uma estratégia para estimular o consumo e fortalecer sua base eleitoral. Em um evento na Bahia, no início de fevereiro, o presidente reforçou sua intenção de lançar programas de crédito para estimular a economia.
“Quando o dinheiro começa a circular nas mãos do povo, ninguém vai comprar dólar ou mandar dinheiro para fora. O dinheiro será gasto em comida, roupa e material escolar, movimentando a economia local”, disse Lula.
Bancos querem garantia do FGTS e juros livres
Apesar do interesse dos bancos na nova linha de crédito, há pontos de discordância. As instituições defendem que, se o governo estabelecer um teto para os juros do consignado, será necessário garantir o FGTS como contrapartida. A Febraban, que representa o setor bancário, já enviou um documento ao governo argumentando que a limitação dos juros pode inviabilizar a concessão de crédito.
A discussão não é nova. Em 2023, o Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS) reduziu os juros do consignado para beneficiários do INSS, o que fez com que bancos privados e públicos suspendessem temporariamente as ofertas para aposentados e pensionistas.
O economista Humberto Aillón, da Fipecafi, alerta que, se o governo não estabelecer um limite compatível com a realidade do mercado, o consignado privado pode se tornar inviável.
Fintechs temem exclusão do programa
Outro ponto de tensão é a participação das fintechs no novo modelo de crédito. Algumas dessas empresas reclamam que não foram incluídas nas discussões e temem que os grandes bancos tenham acesso privilegiado às informações do eSocial, plataforma que reúne dados trabalhistas e previdenciários de empregados formais.
Para Aillón, a questão central não é tecnológica, mas regulatória: definir quais instituições poderão acessar os dados do eSocial e em quais condições. Ele também destaca que o governo deveria criar uma plataforma transparente para que os trabalhadores possam comparar as taxas de diferentes instituições antes de contratar o crédito.
Conclusão
Embora a ideia de facilitar o crédito para trabalhadores do setor privado possa parecer positiva à primeira vista, os riscos associados ao endividamento excessivo, à interferência no FGTS e à possível concentração de benefícios para grandes bancos tornam o tema complexo. O desafio do governo será equilibrar a ampliação do crédito com medidas que garantam a sustentabilidade financeira dos trabalhadores e o funcionamento justo do mercado de crédito.